Tem 40 anos e cresceu a olhar para a Feira da Ladra e para o Tejo. Em Campo de Ourique reencontrou o espírito de bairro que pensava estar perdido. Já foi Amália, no cinema, papel que lhe valeu um Globo de Ouro e o reconhecimento do grande público.
Há quanto tempo mora em Campo de Ourique?
Há cinco anos.
E o que é que a fez mudar-se para cá?
Um feliz acaso, confesso. Vivi a infância e a adolescência ao pé da Feira da Ladra, costumo dizer que sou de Alfama, mas aquela zona, onde era a nossa casa, ficava já na fronteira com a Graça. Depois, quando saí de casa dos meus pais, tornei-me um pouco nómada. Morei em muitos sítios diferentes de Lisboa. Há cinco anos, andava outra vez à procura de casa e até tinha pensado em ir viver para a Expo, porque gosto imenso de correr e pensei: ‘Junto o útil ao agradável. Arranjo uma casa por lá e posso correr todos os dias, à beira rio’. Mas ainda bem que mudei de ideias e apareceu esta casa em Campo de Ourique! Aqui, vim reencontrar o espírito de bairro que já se perdeu no sítio onde eu cresci.
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É disso que gosta em Campo de Ourique? Do espírito de bairro?
Gosto do espírito de bairro e de tudo o resto. É bom viver num sítio onde conhecemos os vizinhos e onde conhecemos as pessoas no café, no cabeleireiro, na manicura, no supermercado… Sou muito faladora! Gosto de falar com as pessoas e gosto de as ouvir. E, com isso, acabamos por conhecer as pessoas e até já fiz algumas amizades no bairro. Se um dia tiver de sair daqui, vou ter muitas saudades!
E de que é que não gosta em Campo de Ourique?
Da falta de estacionamento! É a única coisa que me desagrada.
Sempre quis ser atriz?
Não! Quando era pequena queria ser muitas coisas, todas muito diferentes. O teatro apareceu na minha vida quando eu estava no 9º ano.
Como foi isso?
Estudei sempre na Escola Gil Vicente, que era uma escola onde acontecia muita coisa, todos nós nos exprimíamos muito e de muitas maneiras. As marchas, os Santos populares, eram muito importantes para nós, eu tinha colegas que, apesar de serem umas miúdas, já cantavam fado a sério. Havia um ambiente especial naquela escola e havia teatro, claro, ou não se chamasse Gil Vicente. Eu fazia teatro e gostava muito, mas nessa altura não sabia o que é que queria fazer na vida… quando acabasse o 9º ano ia ter de escolher e não sabia o quê. Um dia, a olhar para um guia sobre as saídas possíveis, descobri que havia um curso de Artes do Espetáculo no Chapitô e achei que era engraçado. Ainda por cima era perto de minha casa! Só tinha de convencer os meus pais, porque eles iam ter de pagar.
“É bom viver num sítio onde conhecemos os vizinhos e onde conhecemos as pessoas no café, no cabeleireiro, na manicura, no supermercado”
E foi fácil?
Não! Mas, nessa altura, eu conseguia ser muito mais persuasiva do que sou hoje e os meus pais acabaram por concordar. E foi assim que, aos 15 anos, fui estudar para o Chapitô.
Gostou?
Adorei! O Chapitô não era uma escola, era o “Fame”! Tal e qual como eu via na televisão. Estavam sempre a acontecer coisas nas aulas e estavam sempre a acontecer coisas nos intervalos. E havia uma grande mistura de gente: betos, hippies, góticos, punks… Eu nunca tinha visto um gótico antes de entrar no Chapitô! E também havia muitos alunos estrangeiros, na minha turma havia alemães, espanhóis…
Foi no Chapitô que decidiu ser atriz?
Foi! Foram uns anos muito felizes da minha vida e fiz muito teatro alternativo com grupos como o “Útero”, “O Olho”… saía da escola, descia até ao Terreiro do Paço, apanhava o barco e ia fazer teatro para Almada.
O grande público conhece-a do cinema, de ser Amália, e das novelas. De todos os papéis que já fez, tem algum de que goste mais?
Na televisão acho que tive dois grandes desafios: a Catarina, de “Rosa Fogo” e a Rosa, de “Rainha das Flores”. A Catarina porque era uma mulher desequilibrada, obcecada por um homem, e a personagem não podia cair na caricatura. A Rosa, porque era a boazinha, toda a gente já tinha percebido o que a vilã andava a fazer e ela não e, por isso, também era um papel difícil, porque a personagem tinha de ser credível.
Gosta mais de fazer cinema ou televisão?
Gostava de fazer mais cinema, não faço muito. Não sou uma atriz com muitos «likes» nas redes sociais, porque não ando muito por lá. E isso é importante para o cinema comercial, ter atores e atrizes com muitos seguidores. Por outro lado, o cinema de autor, em Portugal, é muito conservador no sentido em que os elencos são quase fixos, há pouco espaço para a entrada de novos atores.
Apesar de não ter muitos “likes”, como diz, é uma atriz que o público reconhece.
Sim, claro! E isso dá-me grande satisfação. Quando comecei a namorar com o meu marido, há uns anos, ele contou a uma das tias e a senhora ficou toda contente e disse-lhe: “Ah, gosto muito dela! Diz-lhe que até mudo de canal só para a ver na novela”. É bom ouvir isto, ser reconhecida na rua, ter pessoas que vêm ter comigo e que me dizem coisas simpáticas.
E em Campo de Ourique, como é que a tratam: como atriz ou como vizinha?
Como vizinha. E eu gosto muito disso!
Fonte: Boletim Informativo da Junta de Freguesia N.º 9 | JUN/JUL/AGO 2018
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