Manuel Costa Cabral é um dos grandes nomes da pintura portuguesa. Fundou a Ar.Co, deu aulas, foi Diretor do Serviço de Belas-Artes da Fundação Calouste Gulbenkian. Viveu quase sempre em Campo de Ourique e sempre aqui teve o seu ateliê.
Desde quando mora em Campo de Ourique?
Desde que nasci. Os meus pais vieram morar para a Travessa do Jardim à Estrela, para uma casa que ainda hoje existe, quando eu era recém-nascido. E foi aqui que cresci. Andava num colégio na Rua da Estrela, onde hoje ainda há um colégio, embora com outro nome. Subia a Domingos Sequeira, ia pela Saraiva de Carvalho e chegava à escola. E brincava no Jardim da Estrela. Depois, passei desse colégio para o Liceu Pedro Nunes. Costumo dizer que passei os primeiros 17 anos da minha vida num quilómetro quadrado!
E o que é que aconteceu quando tinha 17 anos? Saiu de Campo de Ourique?
Só em parte! Acabei o liceu e fui para Belas-Artes. Pela primeira vez, tinha de sair do meu bairro para ir às aulas, mas continuava a morar aqui. O meu café, nessa altura, era o Canas. E também comecei a frequentar os ateliês do Pátio dos Artistas. Este ateliê onde hoje ainda estou era da escultora Graça Costa Cabral, que nessa altura se chamava Graça Albuquerque Silva. Foi com ela que casei. Mas, como estava a dizer, quando a conheci, a Graça dividia o ateliê com a Flávia Monsaraz e com a Carmo d’Orey. E, tal como hoje, havia muitos artistas que tinham ateliê neste pátio… mais do que hoje, até. Nessa altura, todos os ateliês estavam ocupados por artistas.
Depois de casar continuou a viver em Campo de Ourique?
No início sim! Morávamos na Rua Correia Teles e, depois, mudámos para a Estrela, mas claro que passava a maior parte do dia em Campo de Ourique. Em 1975 fomos morar para o Bairro Azul, mas em 1995, quando eu e a Graça nos divorciámos, voltei para cá, para a casa onde ainda hoje moro.
O que é que o faz gostar de Campo de Ourique?
Tanta coisa… O facto de estar tudo à mão, claro. Mas também esta coisa de irmos a sítios onde nos conhecem e onde conhecemos as pessoas. Gosto de ir à Parreira do Minho, ao Coelho da Rocha, ao Mercado. Este sentimento de que pertencemos todos a este bairro. Até começo a gostar da Igreja de Santo Condestável. É um edifício desproporcionado que, hoje, é quase bonito… as coisas ancoram-se aos sítios e começam a ganhar mexilhões na pele. Com esta história de Lisboa estar na moda, há bairros que se tornaram insuportáveis, que estão cheios de turistas e que perderam as pessoas. Felizmente, isso não aconteceu aqui. Não tenho nada contra quem vem de fora, gosto que haja pessoas de outras nacionalidades a viverem no bairro, mas são imigrantes. Chegam e juntam-se à vida do bairro, passado pouco tempo fazem parte. Lá está, passam a conhecer-nos e nós, os que já cá moramos, também passamos a conhecê-las. Campo de Ourique é um bairro que me diz muito e que, por coincidência, está muito ligado à minha família. O Jardim da Estrela foi mandado construir pelo 1º Marquês de Tomar, meu trisavô. E, no Jardim da Parada há uma estátua da Maria da Fonte, que liderou a revolta contra ele. Tenho amigos americanos que dizem que eu vivo no paraíso. Sempre que vêm visitar-me encantam-se com este bairro.
Mas também há coisas de que não gosta?
Não, acho que não há nada de que não goste. Há coisas que me entristecem, como o fecho do Ertilas, por exemplo. Foi um dia triste! Não gosto daquilo que foi para lá, não tenho nada contra aqueles rapazes e raparigas que ali trabalham, mas são pessoas que não conhecemos e que não nos conhecem, que estão ali de passagem.
E este sítio onde trabalha? Já foi diferente?
Não! É um dos locais do bairro que se mantém. Foi sempre um sítio de ateliês, um local de trabalho de artistas. Mas houve muitas outras coisas aqui, até uma fábrica de rebuçados! Hoje ainda somos muitos, de várias áreas. Eu, o Jorge Martins, a Helena Almeida, o Carlos Reis, o Henrique Cayatte, a Bárbara Assis Pacheco, o António Lapa…
Para além de pintar, o que é que faz mais?
Imensa coisa! Conferências, curadoria, sou júri de prémios, viajo, conheço gente nova… e pinto!
Fonte: Boletim Informativo da Junta de Freguesia N.º 7 | DEZ 2016/JAN 2017
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