
Dieter Offenhaeusser nasceu em Colónia, na Alemanha. Foi professor de História, editor, jornalista, vice-secretário geral e porta voz da Comissão Alemã da UNESCO. Deu a conhecer à Alemanha muitos escritores portugueses e até fez uma tournée com Zeca Afonso em 1980. Agora, depois de reformado, mora a maior parte do tempo em Campo de Ourique.
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Há quanto tempo mora em Campo de Ourique?
Comprei a minha casa há dois anos, mas ando por este bairro desde 1978. A minha paixão por Portugal já vem do tempo da Faculdade. A minha namorada conhecia, na altura, um pintor português e, um dia, este amigo ligou-nos e perguntou se nós não conheceríamos alguém que pudesse estar interessado em comprar a casa que tinha, numa aldeia perto de Tomar. Ficamos a pensar naquilo durante a noite inteira e, na manhã seguinte, estava decidido: «Vamos comprar a casa!». Claro que não tínhamos dinheiro, ainda estávamos a estudar. Mas arranjámos um grupo de amigos alemães e portugueses e comprámos a propriedade entre todos. Ainda hoje tenho lá um quarto e sou sócio de um pequeno olival, com algumas árvores de fruto e uma nespereira. Quando estava em Tomar e vinha a Lisboa ficava sempre em casa de uns amigos que ainda hoje moram na Rua do Patrocínio. Foi nessa altura que conheci Campo de Ourique e gostei logo imenso do bairro.
Porquê?
Porque é um bairro já raro na Europa! Na Alemanha diz- -se que as cidades no século passado foram destruídas duas vezes: primeiro, pela II Guerra Mundial e, mais uma vez, pela “reconstrução”. Quando foi preciso reconstruir as cidades, os arquitetos criaram zonas estanques: aqui é o centro financeiro, ali fica a zona das lojas, as indústrias ficam mais além. O mais importante eram as estradas para os carros… e as pessoas? Foram atiradas para bairros que são dormitórios, onde não há nada a não ser apartamentos e, ao mesmo tempo, o coração das cidades esvaziou-se quando o horário de trabalho acaba. Os centros históricos hoje são só fachadas de edifícios onde não mora ninguém e onde estão instaladas as marcas de luxo. Antes da Guerra, as cidades europeias eram mais misturadas, com mais diversidade e densidade, tudo era perto: emprego, lojas e serviços, havia gente nas ruas, cafés, praças etc… Como cá: em Campo de Ourique as pessoas vivem, trabalham, dormem, estudam, vão passear, e até morrem. São raros os bairros assim.
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Foi por isso que quis morar em Campo de Ourique?
Foi! Eu sempre quis ter uma casa em Lisboa e quando pensava nisso, pensava em Campo de Ourique. Está perto do centro, é um bairro muito popular, tem pessoas de todas as idades e classes sociais, tem lojas, restaurantes, uma praça muito simpática, com vida a qualquer hora do dia e da noite, tem História e histó- rias. E tem coisas de que gosto especialmente, como o Mercado ou a Livraria Ler. E tem uma Junta de Freguesia muito ativa, percebe-se que trabalham muito e que se preocupam com as pessoas que aqui vivem. As crianças podem brincar ao ar livre, e é um bairro onde uma velhinha ainda pode atravessar a rua em segurança. Gosto disto!
E há coisas de que não gosta?
Algumas, sim. Não gosto do barulho dos aviões, durante a noite. Os transportes públicos não são suficientes para tantos moradores, faz muita falta uma estação de Metro. E gostava de trazer o meu carro, porque era mais fácil ir à aldeia, mas a EMEL não me dá dístico de estacionamento, apesar de eu ter uma casa aqui. Porque o carro tem matrícula alemã! Não faz muito sentido, na Europa de hoje…
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O Dieter, durante a sua vida profissional, divulgou muito a cultura portuguesa na Alemanha. Porquê?
Porque sempre pensei que era uma cultura pouco conhecida na Alemanha. Em 1980 ainda muita gente acreditava que em Portugal se falava espanhol! Houve uma fase da minha vida em que fui editor. Editei Camilo Castelo Branco, Miguel Torga, Lídia Jorge e outros escritores portugueses. Antes já tinha traduzido as canções do Zeca Afonso. Com o Zeca, aliás, tenho uma história muito divertida! Em fevereiro de 1980 fiz uma tournée com ele e com o Júlio Pereira e outros músicos, na Alemanha…
Também canta?
Não, não! O Zeca disse-me que ia fazer a tournée e que precisava de um motorista. Ofereci-me logo: «Eu guio!». Era também uma boa ocasião de vender o livrinho com os textos dele. E lá andámos nós, por toda a Alemanha, do Sul ao Norte, do Oeste até Berlim, numa carrinha Ford azul, muito velha, num frio horrível, neve e gelo nas autoestradas… Mas foi inesquecível! Fizemos 17 concertos em 21 dias!
Agora está reformado. O que é que fazia antes?
Fui professor de História e de Francês, editor, jornalista de rádio e, durante os últimos vinte anos, trabalhei para a UNESCO, como porta voz e vice-secretário geral. Até costumo dizer que, esse meu último posto, devo-o a Portugal porque, durante o processo de seleção, fui entrevistado por um júri e fizeram-me várias perguntas sobre Portugal e a cultura portuguesa e deixaram-me responder em português. Uns meses depois – eu tinha sido o escolhido – o presidente da Comissão confessou-me com um piscar de olhos: «Escolhemo-lo a si porque gostei de o ouvir falar português e porque conhece a cultura portuguesa».
Fonte: Boletim Informativo da Junta de Freguesia N.º 7 | DEZ 2016/JAN 2017
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