Fevereiro 19, 2025

A primeira alfarrabista de Portugal

Crisálida Filipe começou a interessar-se por antiguidades quando ainda morava em Toronto, no Canadá. «Havia uma feira de antiguidades, todos os domingos, na margem do lago Ontário. Eu gostava de lá ir, levantava-me cedo e ficava horas a olhar para aquilo tudo. Comecei a fazer uma coleção de colheres de chá antigas. Quando voltei a Portugal, tinha mais de duas mil colherinhas, mas, infelizmente, essa coleção foi uma das coisas que desapareceu na mudança…», recorda.

Em Lisboa, tomou de trespasse a livraria e papelaria que desde os anos 1940 existia no nº 145E da Rua Saraiva de Carvalho, «anos depois, comecei a fartar-me daquilo e queria uma coisa diferente. Não sabia bem o quê». Até que o alfarrabista Pedro Castro e Silva lhe deu a sugestão: «Estávamos os dois a conversar e ele disse-me: “A sua loja é tão bonita, Crisálida. Isto dava era um belo alfarrabista!” Gostei da ideia e decidi que era isso mesmo que ia fazer». Quando contou a novidade a Fernando Assis Pacheco, cliente habitual da livraria-papelaria, o jornalista reagiu com grande entusiasmo: «Deu-me logo os parabéns! Achou que era uma grande ideia!».

No armazém tinha ainda guardados muitos livros dos anos de 1940 e 1950 que existiam na loja quando Crisálida chegou. «Muitos desses livros eram primeiras edições. Foi assim que comecei, com o que tinha em casa, e com uma biblioteca que, entretanto, comprei.», conta. Estávamos em 1990 e havia 33 alfarrabistas em Portugal. Crisálida Filipe era a única mulher. «Um dia, logo no início, encontrei o Pedro Burnay num leilão do Correio-Velho e ele é que me contou que havia apostas entre os colegas sobre o tempo que eu ia durar na profissão. A maioria não me dava mais de seis meses. Já cá estou há 27 anos!», diz a rir.

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Na primeira feira a que foi, como alfarrabista, Maria José Ritta, mulher do então Presidente da República, Jorge Sampaio, fez questão de ir conhecê-la. Hoje, outras mulheres seguiram os passos de Crisálida Filipe e são alfarrabistas. Há três décadas, a mulher que vendia livros raros era, ela própria, uma raridade. Mas nem tudo foram dificuldades, «muito pelo contrário! Houve sempre muita gente que me ajudou, colegas sempre disponíveis para me ensinarem, para me darem um conselho, como o Luís Gomes, a quem ainda hoje telefone se preciso de uma opinião. Ser alfarrabista é estar sempre a aprender, sempre a estudar, sempre a ouvir os outros». Crisálida tornou-se uma alfarrabista especial porque se dedicou sobretudo aos livros de Direito.

«Gosto imenso de Literatura, de Poesia, mas já havia muitos alfarrabistas nessas áreas. Resolvi arriscar em matérias diferentes e surgiu o Direito. Não percebo nada de leis, mas houve sempre muita gente disponível para me ajudar», conta a alfarrabista que ainda hoje não esquece a preciosa ajuda que lhe deram Paulo Otero, Miguel Machado e Frederico Costa Pinto, nesse ano de 1990 três jovens professores universitários em início de carreira, e também Luís Bigotte Chorão. É raro um dia em que não entra um jurista importante na loja de Crisálida. «Até ser eleito Presidente da República, o Professor Marcelo vinha cá muito. E era engraçado, porque quando ele estava aqui na loja, as pessoas passavam na rua, viam-no e arranjavam sempre um pretexto para entrarem e perguntarem qualquer coisa e depois ficavam a conversar com ele», conta.

José Magalhães, morador no bairro, é um dos clientes habituais: «Ah! Já passou tanta gente importante por esta loja. Os professores Menezes Cordeiro e Martim de Albuquerque vinha cá muito». Nesta loja que, para quem gosta de livros é um verdadeiro paraíso, há livros para todos os gostos e para todas as carteiras. Os mais baratos custam dois euros, o mais caro 50 mil.

Fonte: Boletim Informativo da Junta de Freguesia N.º 7 | DEZ 2016/JAN 2017

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